sexta-feira, 23 de julho de 2010

SEGURANÇA, EDUCAÇÃO E AÇÃO SOCIAL


Desde 1982, quando as eleições estaduais voltaram a ser disputadas no Brasil, ainda em ambiente autoritário, a segurança tem ocupado uma posição destacada na agenda pública. Com a promulgação da primeira Constituição democrática brasileira, em 1988, criaram-se as condições para a participação popular ampla, removendo-se as barreiras tradicionais, que excluíam do direito ao voto vastos segmentos da população. Dado o novo contexto político, as agendas públicas tornaram-se ainda mais sensíveis às percepções, às demandas e aos medos do conjunto da sociedade. Sendo a segurança um item eminentemente popular -sem deixar de ser tema prioritário também para as elites e as camadas médias-, impôs-se com mais peso à consideração dos atores políticos. O crescimento da violência criminal, ao longo da última década, reforçou essa tendência. Hoje, segurança ocupa não só o centro das preocupações estaduais como penetrou as esferas municipais e federal, tornando-se uma das principais problemáticas nacionais, nas eleições e para além delas.


Na transição democrática, todas as instituições públicas e seus procedimentos tradicionais foram revistos e reajustados ao novo momento. Uma instituição, entretanto, foi esquecida nas trevas do passado autoritário: a polícia. Conservadores, liberais e progressistas debateram o destino de cada órgão público, discutiram propostas antagônicas e disputaram a liderança de cada processo de reforma. No entanto, com raríssimas exceções individuais, entre as quais nunca será demais destacar o papel pioneiro de Helio Bicudo, as correntes de opinião deixaram de apresentar à opinião pública projetos que adequassem a polícia à democracia. Afinal, o que seria a polícia do Estado de Direito Democrático?


Essa omissão histórica condenou a polícia (1) à reprodução inercial de seu hábitos atávicos: a violência arbitrária contra pobres e negros, a tortura, a chantagem, a extorsão, a humilhação cotidiana e a ineficiência no combate ao crime, sobretudo quando os criminosos vestem colarinho branco. Claro que há e sempre houve milhares de policiais honestos, corretos, dignos, que tratam todos os cidadãos com respeito e que são profissionais de grande competência. Mas as instituições policiais, em seu conjunto e com raras exceções regionais, funcionaram e continuam a funcionar como se estivéssemos em uma ditadura ou como se vivêssemos sob um regime de apartheid social. A finalidade era construir uma espécie de cinturão sanitário em torno das áreas pobres das regiões metropolitanas, em benefício da segurança das elites. Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que o esquecimento da polícia, no momento da repactuação democrática, em certa medida, acabou sendo funcional para a perpetuação do modelo de dominação social defendido pelos setores mais conservadores. Ou seja, essa negligência talvez tenha sido mais um golpe de esperteza do que uma indiferença política. Mas o fato é que a polícia ficou no passado, permanece prisioneira dos anos de chumbo, continua organizada para defender o Estado, não para defender os cidadãos, suas liberdades e seus direitos, o que ocorreria se as leis fossem aplicadas com equidade e fossem respeitadas pelas instituições que as aplicam.


A conseqüência da ausência de projetos de reforma é tudo isso que conhecemos: degradação institucional da polícia e corrosão de sua credibilidade, ineficiência investigativa e preventiva, ligações perigosas com o crime organizado e desrespeito sistemático aos direitos humanos. Ou seja, a polícia, abandonada pelo processo da transição democrática, retorna do passado sombrio como um espectro a nos assombrar. Além disso, não acompanhou o processo de modernização técnica que caracterizou tantas outras instituições nacionais. Seu modelo gerencial permaneceu arcaico, reativo e fragmentário, refratário a procedimentos racionais, como a análise qualificada de dados consistentes, configurando diagnósticos, com base nos quais uma política seria planejada e, em seguida, avaliada, para que todo o processo pudesse ser monitorado, o que converteria o erro em instrumento de autocorreção sistêmica. Nada disso ocorre. A polícia continua respondendo aos chamados, correndo atrás das tragédias, atuando depois que os crimes acontecem, mesmo quando eles se repetem segundo padrões regulares.

2 comentários:

  1. Rapaz, este texto ficou muito legal e interessante. Necessita de um maior eco junto aos seus amigos e que conhecem este blog, notadamente, quando denuncia a impunidade dos colarinhos brancos, o apartheid, ausencia de projetos sérios e contínuos para a segurança pública, aliás, nem mesmo o propagado artigo 144 da Constituição Federal ainda não foi regulamentado. Ass: Mr cicv/olisa

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  2. Olá irmão,
    Mais uma vez, obrigado pelo seu comentário. Vamos sim, por um basta a imponência dos "colarinhos brancos".
    Vamos investir na segurança pública e fazer valer o direito do cidadão.

    Um abraço

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